domingo, 29 de maio de 2011

Crime e castigo e a ontologia da desgraça em Dostoiévsky

 A propósito de uma palestra que proferi na UFPA na última sexta-feira, dia 27/05. Agradeço a atenção e participação de um auditório repleto de alunos e professores, bem como, especialmente, ao convite do amigo Prof. Dr. Luiz Otávio Pereira.
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Tanto no livro “Memórias do subsolo” como em “Crime e castigo” se impõe a desconfiança fundamental de Dostoiévski acerca da possibilidade da conduta humana ser corrigida pela educação e pelo exemplo. Raskólnikov é incorrigível “de fora”. Seu processo pedagógico é essencialmente interior e isso fornece a pista mais fundamental sobre a história que o autor pretende contar.
                Desde Mikhail Bakthin estabeleceu-se o dogma exegético de que os romances de Dostoiévski são tramas polifônicas, ou seja, várias tramas que se desenrolam através de distintos personagens, próximos, mas separados, e que em algum momento do romance encontram-se em um ambiente complexo, a partir do que suas vidas entendidas como linhas individualmente conduzidas pelo autor passam a ser ressignificadas pelo encontro (M. BAKTHIN. Problemas da poética de Dostoiévski. São Paulo:Forense Universitária, 2008).
                Mas a própria forma polifônica consistente em tramas distintas de cada personagem propõe que seus caminhos não são ligados por eventos exteriores, pelo menos na sua semântica, e cada qual segue diante de seus próprios desafios internos.
                Ademais, a educação é um signo civilizatório e a civilização em Dostoiévski é um conjunto sofisticado de vícios, como refere Pondé em “Crítica e profecia” (Ed.34, 2003). A educação e a pedagogia para o autor podem nos aperfeiçoar nessa trajetória decadente ao invés de nos libertar. Assim que, com Raskólnikov, estudante de direito e dotado de certa reputação acadêmica enquanto pensador libertário, a formulação axiomática maior era a da classificação dos homens entre ordinários e extraordinários. Essa era uma tese, uma proposta teorética para educação dos novos tempos. Os homens ordinários obedecem, resignam-se, reproduzem e permitem a manutenção das coisas e, ainda que sejam importantes, seu desenvolvimento é limitado pela sua carência constitutiva de vocação para a grandeza. São como insetos laboriosos, como formigas ou piolhos que são capazes de formar colônias, de operar com o que existe, mas jamais poderão criar, porque isso depende da capacidade de ver além, de romper e assumir que as leis que nos cercam pertencem aos demais que com elas dêem lidar, mas não se aplicam a quem tem a virtude para superá-las, mostrar-lhes as deficiências e criar outras no seu lugar. Sem os homens extraordinários não haveriam revoluções. Sem os homens extraordinários andaríamos em círculos inesgotáveis.
                Para Raskólnikov, a virtú era privilégio daqueles que conseguiam compreender mais que os outros, ver além e desvandar o chamado do futuro. A virtú, nesse caso, é uma clara referência a Maquiavel, para quem a vida humana não tem um sentido intrínseco, nenhum valor inato, mas sempre decorrentes da ordem política, a qual deve ser dominada pelos homens extraordinários. A vida é uma concessão do Estado.
                O homem extraordinário é o homem “absolutamente capaz”, o modelo de Pavel Aristov, o criminoso referido por Joseph Frank como modelo para Dostoiévski, durante seu exílio, de alguém capaz de realizar qualquer coisa, qualquer tarefa, sem nenhum constrangimento exterior de ordem física ou moral. Em oposição ao homem extraordinário está o homem ordinário, que é “absolutamente incapaz”, cujo modelo na constelação de personagens de Dostoiévski é o Príncipe Michkín, d’ O idiota.
                Aqui temos as inversões que o Mestre Russo trabalha no Crime e Castigo. O homem de ação representado no conceito extraordinário, como Napoleão, referido expressamente no livro, revela as fragilidades de elevar o fazer a um status de valor. A ação não tem um sentido em si mesma, ela não se dirige necessariamente ao bem. Ser absolutamente capaz, apto a fazer tudo, significa ser apto a fazer do bem uma escolha aleatória e de igual valor que realizar o mal. Ser absolutamente capaz é eleger o “poder” como critério decisivo do “dever”.
                Isso nos coloca diante do problema de ação que vai ser desenvolvido em uma progressiva linha de tensão do início do romance até o assassinato de Aliona e Lisavieta. Raskólnikov propõe-se matar a agiota sob o pretexto sincero de agir em razão de uma idéia, provar-se capaz, absolutamente capaz tal como estabelecia sua teoria. Ela não agiria como um assaltante, mas como uma força da natureza, um agente dos novos tempos, algo como as teses de Chernichevski e Pisariev, filósofos políticos radicais muito em voga no sec.XIX, defendiam. As leis humanas apenas condenavam o assassinato por aplicarem-se aos homens comuns, que agem com propósitos utilitários e imediatos, como camundongos em um labirinto. Os homens extraordinários são senhores absolutos de suas decisões e o sentido delas apenas pode ser estabelecido por eles próprios.
                Em um acesso febril e famélico, Raskólnikov mata a machadadas a velha agiota e uma infeliz testemunha ocular, tendo conseguido evadir-se após roubar as jóias guardadas no apartamento.
                Mas o personagem não conseguirá encontrar na sua ação o sentido auto-instituído que buscava. Cai em febres e delírios, nos quais acredita, inclusive ter-se denunciado. Contudo sua doença não é física, senão espiritual. Valho-me do conceito de “catolite” como o filósofo romeno Constantin Noica define a doença espiritual aplicável a Raskólnikov. Trata-se de dizer que o mundo, doravante, deveria ter um sentido, mas não tem. Que a ação, se não encerra qualquer teleologia ou escatologia, deveria ter-se esgotado ao lavar-se o sangue do machado, ao ter Raskólnikov fugido do lugar com êxito, ainda que precário. Entretanto, a cena do duplo homicídio e sua brutalidade não lhe saem da lembrança, aprisionando-lhe. Algo saiu muito errado, mas não foi a ação, dado que elas estão mortas e Lisavieta foi um “dano colateral”. O que deu errado foi a teoria...
                Diz Luiz Felipe Pondé, com base na teologia medieval, que o inferno pode ser descrito como uma festa que não acaba nunca e, na sua infinita repetição, revela seu vício. A festa aqui, aquela a que está irremediavelmente atado Raskólnikov, é a aposta em que a liberdade apenas assim pode realizar-se se for absolutamente. Trata-se de liberdade para tudo, de irrestrito horizonte de ação e de escolhas. É a liberdade do homem extraordinário, absolutamente capaz e, portanto, acima da lei e da moral. A ela não corresponde nenhuma responsabilidade, nenhum dever. Não há limites, assim como não há excessos, dado que não há alteridade qualquer, não há o reconhecimento do outro. Raskólnikov menciona, recorrentemente, que a velha agiota é um piolho.
                Ao agrilhoar-se à lembrança do homicídio, na sua agonia, na dúvida, Raskólnikov sente-se fracassado em razão da culpa. Repito, não estamos diante de um fracasso no plano das ações, mas no das expectativas. O assassino não proclama sua liberdade com o homicídio, ao revés, pega-se lutando para não proclamar sua culpa, ou pior, seu pecado... Talvez, melhor do que “castigo”, a narrativa dessa maior parte do romance encaixe-se mais finamente com a palavra “expiação”. É no reconhecimento tumultuoso e fragmentário, mas progressivo de sua condição agônica que a trama complexifica-se, pois no entorno do homicídio cada linha melódica dos distintos personagens encontram-se em sinfonia. Dúnya, irmã puríssima de Raskólnikov; Svidrigáilov, que busca seduzi-la, ele inegavelmente um “homem de ação”, absolutamente capaz e Sonya, a prostituta sacrificada, filha de Marmiéladov, bêbado típico das narrativas de Dostoiévski desde Humilhados e Ofendidos (1861).
                Será a presença de Sonya e Dúnya que ajudará Raskólnikov, por si mesmo, entender o sentido de seu fracasso. Que havia fracassado, era evidente na sua doença. O jogo de “gato e rato” com Porfíri era estimulante intelectualmente e o personagem, ainda que inseguro, sabe que o policial somente poderia alcançá-lo se ele mesmo o permitisse. O próprio Porfíri sabe disso e concentra-se em criar uma atmosfera das mais elaboradas para convencer Raskólnikov de que ele sabe não apenas do crime, mas de que tudo no estudante é uma farsa, a começar pela imagem auto-atribuída de “homem extraordinário”.
                Não será, portanto, Sonya a convencê-lo do seu fracasso, mas pela sua fragilidade absoluta que incita o amor de Raskólnikov, ao descobrir-se incapaz de suportar magoá-la, ofendê-la e usá-la, no reconhecimento dessa alteridade ele estabelece o princípio do sentido de seu fracasso.
                Na doutrina da Graça de Sto. Agostinho, a ontologia da desgraça que constitui os seres humanos, decaídos do Éden e da plenitude do convívio com Deus, onde podiam contemplar Sua face, não significa uma maldade intrínseca, mas uma falibilidade inevitável. Sempre iremos falhar. A condição de “absolutamente capaz” não nos é possível e, mais que isso, não é desejável. Esperar que não falhemos, que não tenhamos fraquezas e comportar-se de acordo com esse projeto é aprofundar o erro e criar as condições amplas para o mal. A idéia de que a razão, finalidade mais do que instrumento, do humanismo naturalizante que tanto incomoda Dostoiévski e também, depois, Tolstói, possa elevar-nos acima das nossas paixões e suplantar nossa condição ontológica de falibilidade é, ela própria, um mal. Raskólnikov mata envolvido por uma idéia de afirmação de civilização, fundada profundamente neste humanismo naturalizante, armado sobre uma contradição que somente não é visível por estar cego dos vícios dessa mesma civilização.
                A expiação de Raskólnikov é um trajeto longo, simbolizado pelo desterro na Sibéria, para o qual acompanha-lhe a doce Sonya. Ele começa na sua condição agônica de reconhecimento do fracasso e da busca do sentido desse fracasso, na destituição da razão de seu trono e, ao invés de negar veementemente suas paixões e motivações, Raskólnikov as acolhe em toda a dor e agonia que seus espinhos carregam. No caminho do perdão ele deve atravessar essas paixões, reconhecendo-as como constitutivas de sua condição de desgraça, ou se preferirmos o jargão psicanalítico atual, o qual vale-se de idéias já presentes na doutrina agostiniana, deve-se reconhecer incompleto e cindido. Tudo, portanto, menos absoluto.
                Mas diz o Mestre Russo, que essa é uma outra narrativa, pois a que ele desejava contar já estava finalizada. Poderíamos crer que Dostoiévski almejava que no sec. XX à sua frente, fosse possível uma outra história para Raskólnikov, para todos nós, na contramão das ideologias infernais que atormentavam seus personagens?
               
                

domingo, 22 de maio de 2011

A nova filosofia alemã

De la Escuela de Fráncfort a los nuevos narradores
LUIS FERNANDO MORENO CLAROS 21/05/2011 El Pais

Dieciséis pensadores, novelistas, poetas, dibujantes y dramaturgos que
representan la cultura alemana. Herederos de clásicos como Goethe,
Schiller, Hesse y Böll, y contemporáneos como Grass y Sebald

Jürgen Habermas

(Düsseldorf, 1929)

Es el filósofo de la era "posmetafísica". Colaborador de los míticos
Adorno y Horkheimer, sus ideas continúan la labor crítica de la denominada
Escuela de Fráncfort. Heredero del 68 pero crítico con los radicalismos
("jamás entendí de dogmatismos"), el autor de Teoría de la acción
comunicativa se declaró "filósofo atípico" ya que jamás ha pretendido
aportar una visión unívoca y cerrada del mundo, sostenida sobre una sola
verdad irrefutable, sino la de un mundo abierto que se sostiene sobre
"pequeñas verdades". En 1968 apareció su obra señera Conocimiento e
interés, difícil pero decisiva, con la que Habermas pretendía continuar el
proyecto de la Modernidad sin dogmatismos ni ideas fijas y en perpetuo
diálogo con la realidad; proseguir la lucha ilustrada por la libertad a
ultranza, a escala política e individual. LUIS FERNANDO MORENO CLAROS

Hans Magnus Enzensberger

(Kaufbeuren, 1929)

El más versátil y cosmopolita de los escritores de la generación de
posguerra entró en el panorama literario alemán como poeta, si bien
despliega su máxima potencia en el ensayo político (Política y delito;
Perspectivas de guerra civil; El perdedor radical). A partir de los años
sesenta, más que un escritor alemán, será un escritor europeo, gracias a
su vocación de viajero-lector plurilingüe y su capacidad de aglutinar el
pensamiento contemporáneo de los más diversos países. Está familiarizado
tanto con las literaturas escandinavas como con la española y las
latinoamericanas (traduce, entre otros, a Alberti y Vallejo). Su novela
biográfica El corto verano de la anarquía. Vida y muerte de Durruti marcó
a generaciones de lectores. Su labor de mediador literario entre España y
Alemania le valió en 2002 el Premio Príncipe de Asturias. CECILIA
DREYMÜLLER

Alexander Kluge

(Halberstadt, 1932)

Director y productor de cine, artífice de un demoledor programa satírico
en la televisión alemana, escritor, abogado y hombre de negocios sin afán
de lucro, Alexander Kluge es el intelectual entre los cineastas alemanes y
el más cinematográfico entre los escritores. Tras doctorarse en Derecho,
Kluge sigue el consejo del filósofo Theodor W. Adorno y estudia cine,
convirtiéndose en asistente de Fritz Lang. Su primer largometraje, Una
muchacha sin historia, gana un León de Plata en el Festival de Venecia (al
que seguirían otros dos Leones de Oro). Títulos emblemáticos de su
filmografía son: La patriota, Alemania en otoño, El poder de los
sentimientos; entre sus libros río -compuestos de cientos de relatos
cortos "de la vida posible"- destacan El hueco que deja el diablo e
Historias del cine (ambos en Anagrama). C. DREYMÜLLER

Volker Braun

(Dresde, 1939)

Poeta del pueblo y crítico observador de la realidad política y social
primero de la RDA -donde recibió todos los honores, también el de ser
observado por los servicios secretos- y después en la Alemania
reunificada, Volker Braun, el defensor empedernido de la utopía
socialista, estudió Filosofía y trabajó de obrero industrial. Desde que en
1966 publicó su primer poemario en la editorial Suhrkamp, Cosas
provisionales, publicó paralelamente en la RDA y la RFA. En la década de
los setenta y ochenta, sus obras de teatro, como La historia inacabada,
son representadas en toda Europa. Entre sus poemarios destacan El lento
crujir de la madrugada, Jardín de recreo, Prusia y A las hermosas farsas.
En 1988 recibió el Gran Premio del Estado de la RDA; en 2000, el Premio
Georg Büchner. C. DREYMÜLLER

Reinhard Jirgl

(Berlín, 1953)

Cronista de los traumas sociales y las tragedias individuales de la
división y reunificación de Alemania, Reinhard Jirgl adopta la baja
perspectiva de los perdedores de la historia. Para reproducir el lenguaje
de sus inadaptados radicales Jirgl inventa una escritura fonética con
sistema ortográfico propio. Solo tras la caída del Muro, se publican y se
galardonan con una docena de premios las novelas guardadas en el cajón.
Tanto su trilogía de la RDA, Genealogía del matar, como la novela
generacional, Los incompletos (2003), sobre el destino de los sudetes
expulsados de Checoslovaquia, certifican a Jirgl como un pertinaz y
cáustico cronista del pasado y presente de Alemania. En 2005 publica
Renegado. Novela de la época nerviosa; en 2009 su gran saga familiar El
silencio. En 2010 recibe el Premio Georg Büchner. C. DREYMÜLLER

Cornelia Funke

(Dorsten, 1958)

Cornelia Funke es la heredera del gran Michael Ende en el reino de la
fantasía. A raíz de la publicación de su trilogía Mundo de Tinta (Corazón
de Tinta, Sangre de Tinta, Muerte de Tinta, Siruela, 2004-2008), se
convirtió en una de las autoras de referencia del género que ha dominado
la literatura infantil y juvenil en la última década. Con medio centenar
de títulos publicados, entre cuentos para niños y novelas juveniles,
varios de ellos adaptados al cine, en 2005 fue elegida por la revista Time
como "una de las personas más influyentes del mundo". En 2010 apareció,
con un espectacular lanzamiento simultáneo en 12 países, Reckless. Carne
de piedra, primer título de su último y ambicioso proyecto literario:
Mundo Espejo, una transgresora e inquietante serie inspirada en los
cuentos de hadas tradicionales. VICTORIA FERNÁNDEZ

Kathrin Schmidt

(Gotha, 1958)

Kathrin Schmidt, la autora de la exuberante novela feminista La expedición
Gunnar-Lennefsen (Tusquets), estudió Psicología y ha trabajado como
psicóloga infantil, periodista y socióloga. Conocida primero como poeta,
desde que en 1993 ganó el Premio Leonce-und-Lena de poesía, se ha hecho
también un nombre como novelista con Los gatos negros de Seebach, que
trata del acoso de los servicios secretos de la RDA, y Los hijos de
Koenig, que aborda el desarraigo que experimentaron muchos ciudadanos de
la RDA tras la caída del Muro. En 2009 ganó el Premio del Libro Alemán a
la mejor novela con su relato autobiográfico sobre la paulatina
recuperación de la memoria tras un coma clínico, No morirás. Libros
recientes: el poemario Abejas ciegas y el tomo de relatos Finito. Pasemos
página.C. DREYMÜLLER

Ralf König

(Soest, 1960)

Aprendiz de carpintero, el cómic se cruzó en su vida hasta convertirse en
su profesión. Primero desde la historieta más alternativa, donde contaba
las peripecias del colectivo gay alemán en revistas minoritarias para,
casi de forma súbita, pasar al éxito popular con dos obras: El condón
asesino y El Hombre Deseado. Desde entonces, su vitriólica visión de las
relaciones humanas transciende los límites de la orientación sexual, con
cómics que son siempre agudas reflexiones sobre el ser humano sin perder
nunca de vista una militancia estricta en defensa de los derechos del
colectivo gay que no evita la autocrítica más mordaz. Sus cómics pasean
tanto por el costumbrismo como por peculiares y atrevidas adaptaciones
queer de clásicos de la literatura griega (Lysistrata), Shakespeare o
incluso la Biblia. ÁLVARO PONS

Uwe Timm

(Hamburgo, 1940)

Tras cursar estudios de filosofía y germanística, participó como miembro
destacado en el movimiento estudiantil alemán de 1968. Varias de sus
novelas son idóneas para comprender esta época. Escritor sociopolítico de
izquierdas (pero crítico con la RDA), arremetió contra los prejuicios de
la generación que abrazó el nazismo -¿por qué los alemanes de la época de
Hitler secundaron los delirios de grandeza del dictador?-. Entre sus
numerosas obras destaca Tras la sombra de mi hermano (Destino), una novela
singular en forma de reportaje en la que investiga la personalidad de su
hermano mayor, alistado a los 19 años en las SS y miembro de un batallón
de exterminio de judíos. En castellano contamos también con La noche de
San Juan (Alfaguara), un entretenido relato sobre la caótica reunificación
alemana. L. F. MORENO CLAROS

Monika Maron

(Berlín, 1941)

El tema principal de la alemana oriental Monika Maron es la relación entre
las dos Alemanias antes y después de la Unificación de 1990. Cenizas
Volantes, publicado en la República Federal en 1981, es el primer libro
que denunció los problemas medioambientales provocados por la industria
pesada de la República Democrática Alemana (RDA). Se fue del país un año
antes de que cayera el muro de Berlín, ya muy alejada de la ideología
oficial del Estado. Vive en Berlín, donde nació en 1941. A Monika Maron,
hijastra del que fuera ministro de Interior de la RDA Karl Maron, le pasó
con la Stasi (la temida policía política de la RDA) algo parecido a lo de
Günter Grass con la SS nazi: tras pasar años criticando en público a sus
colaboradores, reconoció que ella también había trabajado para ellos. JUAN
GÓMEZ

Botho Strauss

(Naumburg an der Saale, 1944)

Es uno de los dramaturgos alemanes de mayor éxito y proyección. En los
setenta, piezas teatrales como Los hipocondríacos y Trilogía del
reencuentro lo colocaron entre las primeras espadas de la literatura en
alemán. No ha rehuido nunca la polémica, ni en el teatro ni en la
narrativa. En los ochenta fue blanco de numerosas críticas por sus
escritos narrativos, tachados de reaccionarios y antimodernos. Muy
influido por pensadores como Heidegger, su crítica a la sociedad burguesa
lo ha llevado, según sus críticos, a asumir posturas radicalmente
conservadoras. Él dice no tener en mucha consideración ese concepto,
porque "a fin de cuentas, toda la épica surge del pensamiento: los tiempos
gloriosos son siempre pasados". La decadencia, por tanto, "siempre estuvo
aquí". J. GÓMEZ

Rüdiger Safranski

(Rottweil, 1945)

Es el ensayista (e historiador de las ideas) de mayor impacto dentro y
fuera de Alemania. Sus brillantes y asequibles biografías de E.T.A.
Hoffmann, Schopenhauer, Nietzsche, Heidegger o Schiller le han granjeado
cientos de miles de lectores en todo el mundo. Safranski rastrea todo lo
que se conoce sobre sus biografiados y, en una forma muy particular de
aproximarse a sus vidas, sus obras y las circunstancias históricas que las
rodearon, consigue libros amenos y plenos de información sabiamente
dosificada que seducen tanto a un público culto como al más especializado.
Uno de sus recientes éxitos ha sido Romanticismo (Tusquets), obra en la
que mediante breves biografías enlazadas traza una visión de este
movimiento tan alemán. En castellano aparecerá pronto su último trabajo
sobre la amistad entre Goethe y Schiller. L. F. MORENO CLAROS

Ingo Schulze

(Dresde, 1962)

Autor "revelación" surgido de la extinta RDA. Sus primeras novelas abordan
el derrumbe de aquel Estado sovietizado, mentiroso y dictatorial, con un
lenguaje renovado y punzante. El impacto de la política en el ciudadano
corriente debido a la caída del muro de Berlín y la Unión Soviética son
sus temas predilectos. En su exitoso debut literario, 33 momentos de
felicidad (Destino), traza un mosaico humano de situaciones
desternillantes, grotescas y tragicómicas que describen una Rusia
trastocada sin el comunismo. En Historias simples, al igual que en su
último libro, En línea (lo dos en Destino), trata de las desilusiones de
individuos inmersos en un mundo que ha perdido su sentido, ya sea el de la
antigua Alemania del Este o el dominado por la tiranía del teléfono móvil.
L. F. MORENO CLAROS

Richard David Precht

(Solingen, 1964)

Tanto por su fama como por su valía, es hoy un punto de referencia en el
panorama cultural alemán. Tras alguna publicación anterior, como La
herencia de Noé (2000), en defensa de los animales; de su novela Los
cosmonautas (2002), de amor y muerte, o de su libro autobiográfico Lenin
llegó sólo hasta Lüdenscheid (2005), el gran éxito le llegó con ¿Quién soy
y... cuántos? (Ariel, 2009), una especie de "viaje filosófico". Sigue su
éxito con Amor. Un sentimiento desordenado (próximamente en Siruela), y en
2010 con El arte de no ser egoísta, lo que podíamos calificar como la
ética de Precht. Tanto desde la filosofía, la sociología y la psicología
como desde la ciencia (neurología, genética o evolución), Precht va
iluminando temas de máximo interés de un modo atractivo y accesible. Un
divulgador nada vulgar, un intelectual comprensible. ISIDORO REGUERA

Ulf K.

(Oberhausen, 1969)

Autor de dibujo limpio y cristalino, la obra de Ulf K. destaca por ser una
forma de poesía gráfica personal, que trabaja el simbolismo de la fábula
para captar al lector desde la nostalgia infantil y trasladarlo a un
entorno de apariencia amable que esconde reflexiones sobre los aspectos
más oscuros de la trascendencia humana. La muerte y el amor se alzan como
elementos recurrentes de poemas visuales de un romanticismo melancólico
travestido de surrealismo en claroscuro, representados perfectamente por
el personaje de Hyeronimus B., (editado por Dibbuks) oficinista condenado
a vivir una vida gris de la que sólo puede escapar a través del sueño de
la utopía. El delicado trazo del autor suaviza el radical expresionismo de
Frans Masereel, pero mantiene intacta la fuerza de su mensaje. Á. PONS

Daniel Kehlmann

(Múnich, 1975)

Con apenas 30 años, Daniel Kehlmann alcanzó un éxito inusitado con La
medición del mundo. Vendió más de un millón y medio de ejemplares
novelando las biografías del naturalista y científico Alexander von
Humboldt y el matemático Carl Friedrich Gauß. Dos hombres de principios
del Ochocientos con vidas antagónicas y personalidades paralelas. Su nada
desdeñable aspiración era "enfrentarse de forma satírica y lúdica a lo que
significa ser alemán" contando las vidas de estas dos personalidades
señeras del preludio de la fundación de la Alemania moderna. En 2009 se
publicó su última obra, Gloria, donde abandona el estilo lacónico del
superventas de 2005 y se abre a la experimentación con los temas y la
estructura. Dividida en nueve partes, es la historia de un escritor que
sueña con una novela sin protagonista. J. GÓMEZ

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Afinal de contas: o que esperamos do Judiciário brasileiro?

Publico uma notícia, seguida de entrevista com o Presidente do STF, Min.Peluso, que aborda dados instigantes. Minha questão permanece a mesma de antes: creio que o problema do Judiciário é menos a morosidade, a qual me parece um efeito nocivo, mas apenas um efeito, e mais uma absoluta falta de clareza e um silêncio sepulcral do nosso "pacto republicano" acerca do que esperamos do Judiciário, afinal de contas, especialmente do STF. Na ausência de critérios, tudo cabe...Vale a pena ler.
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OCEANO PROCESSUAL
15 de maio de 2011
Laura Greenhalgh - O Estado de S.Paulo
WASHINGTON

Num dos imponentes salões da Biblioteca do Congresso dos EUA, em
 Washington, entre afrescos, obras de arte e móveis de época, um grupo de juízes brasileiros e americanos reuniu-se por dois dias nessa semana para debater um temário que abrangia de abstrações em torno do conceito de democracia ao relato minucioso de casos de tráfico de influência, desvio de verbas públicas, compra de votos, lavagem de dinheiro e outros delitos rombudos acontecidos em ambos os países. À entrada do salão uma discreta placa informava a natureza do evento: "Brazil-United States Judicial Dialogue".

Realizado pela primeira vez em 1998 e repetido agora por iniciativa do
Woodrow Wilson International Center for Scholars e da Georgetown
University, esse diálogo não governamental entre Judiciários dos dois
países reuniu, da parte brasileira, uma delegação reforçada - dois
ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros Ellen
Gracie e Gilmar Mendes, além do atual, ministro Cezar Peluso, e ainda o colega Ricardo Lewandowski, que acumula a presidência do Superior
Tribunal Eleitoral (STE), fora magistrados, professores de direito e advogados de renome. Do lado americano, nem a presença de Clifford Wallace, veterano juiz da Corte de Apelações dos EUA, conseguiu balancear o encontro, que acabou pendendo para o contexto brasileiro.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao fim de uma jornada de discussões em Washington, o ministro Peluso admite: a troca de experiências no campo legal é importante, talvez fundamental, desde que respeitadas as diferenças entre os dois países. "É claro que os americanos conhecem o volume impressionante de casos em tramitação na Justiça brasileira. E eles até tentam sugerir soluções. Mas a verdade é que só agora nós começamos a discutir essa crise na sua complexidade", afirma Peluso, cuja missão no momento é levar adiante a chamada PEC dos Recursos, visando a aliviar a sobrecarga de casos em julgamento nas cortes superiores - STF e STJ.
Neste ponto, a comparação é acachapante: enquanto os juízes do Supremo
precisam decidir em torno de 80 mil casos por ano, seus colegas americanos se concentram no julgamento de apenas uma centena.

O presidente do STF também fala da recente votação por unanimidade sobre direitos da união homoafetiva, reclama maior reconhecimento público de outra votação histórica da Casa, a da liberação das células-tronco embrionárias para pesquisa científica, e diz que o Supremo não tem por que ceder a pressões de grupos religiosos na votação de outras questões polêmicas, como a autorização para aborto de fetos anencéfalos: "Nossa decisão sempre buscará reforçar a laicidade do Estado brasileiro".

Ministro, que impressão fica para o senhor desse diálogo entre
magistrados americanos e brasileiros?

Uma boa impressão. Tanto a exposição dos brasileiros quanto dos
americanos surpreenderam pela tentativa de buscar pontos de contato, embora os dois lados tenham conhecimento das particularidades de cada sistema judiciário.
Os juízes americanos parecem se impressionar com o alto número de
processos tramitando na Justiça brasileira. Não, eles não estranham porque os números do Judiciário brasileiro são conhecidos internacionalmente, tanto que o juiz Clifford Wallace fez referência a sistemas com volume de casos igual ou superior ao nosso, como o da Índia, com mais de 300 mil processos tramitando anualmente na Suprema Corte. Os juízes americanos procuram entender esse quadro para oferecer sugestões, mas trata-se de uma discussão que só recentemente vem sendo feita pelo Conselho Nacional de Justiça. Tem a ver com mudança de mentalidade na magistratura e na formação dos juízes. Os jovens saem da faculdade razoavelmente preparados para discutir questões do direito, mas sem noção de como lidar com a administração de um processo. Entram num concurso de magistratura, são aprovados e no dia seguinte passam a julgar.
Ampliado para todo o sistema, gera-se uma lentidão tremenda.Isso vem ao encontro da sua missão neste momento, ao apresentar a PEC dos Recursos como forma de descongestionar tanto o STF quanto o STJ, ou seja, grande parte das decisões julgadas pelos tribunais de segunda instância não subiria para os tribunais superiores.
Mas com isso o senhor tornou-se alvo das críticas da OAB, que fala até em cerceamento do direito de defesa.
Não aceito a crítica de que o projeto coloca em risco a liberdade do
indivíduo. Nos últimos dois anos, num universo de 70 mil processos elevados ao Supremo, os recursos extraordinários na área criminal foram 5.700, menos de 10%. Destes, deu-se provimento a apenas 155. Destes 155, 77 foram recursos do Ministério Público, ou seja, o provimento do Supremo foi em favor da acusação, o que agravou a situação dos réus. Houve apenas um caso em que se deu provimento em favor do réu. Um caso! Isso mostra que não há risco para a liberdade do indivíduo. A proposta também não mexe no habeas corpus, como não elimina o recurso extraordinário. Onde está a mudança? Está em que a admissibilidade dos recursos não impedirá o trânsito em julgado. Se alguém for condenado, já vai, a partir da decisão do tribunal local, cumprir pena, mesmo se vier a usar o recurso extraordinário.

Limitar recursos resolveria a protelação no Judiciário?
Não é só protelação, há uma cultura da litigância no Brasil que tem a ver com a formação profissional. Nossos estudantes de direito são preparados para litigar. Existem no currículo das faculdades cursos específicos de conciliação, mediação e arbitragem? Que eu saiba, não. Os estudantes não são preparados para usar instrumentos da negociação. São formados na cultura dos adversários. Ou dos gladiadores, como bem disse o jurista americano Jon Mills.

O estudo Supremo em Números mostra que os grandes litigantes no Brasil
são INSS, órgãos públicos federais, estaduais e municipais, bancos e
telefônicas. Então, já se sabe quem congestiona o Judiciário.

Há um lado positivo nesses levantamentos, pois permitem que se faça um
diagnóstico preciso dos pontos de estrangulamento do sistema. E, ao
ficar claro quem são os maiores litigantes, eles próprios repensam suas atividades, de modo a não arcar com essa sobrecarga. Até porque há uma responsabilidade social na lentidão do Judiciário. Não é à toa que nenhum dos grandes litigantes criticou os termos da PEC. Curioso, não?

O Supremo tem sido acusado de hiperativismo no controle constitucional, ao mesmo tempo que reclama do volume de casos com que precisa lidar. Enfim, para que direção aponta a Casa?
O Supremo sempre aponta para os interesses gerais da sociedade. Essa
 acusação de ativismo não é exclusiva da Suprema Corte do Brasil. Nos
EUA, sérios problemas que deveriam ter sido resolvidos no plano legislativo, ou na área administrativa, só tiveram solução social satisfatória com a intervenção da Suprema Corte. Foi assim inclusive com o racismo. No Brasil lidamos com uma Constituição analítica, bem diferente da americana, com seus poucos artigos. A nossa Carta cuida de uma série de matérias que poderiam ser regidas por lei ordinária. E isso tem explicação: a Constituição de 88 foi editada após longo período de autoritarismo, quando os constituintes resolveram regular tudo. Daí o Supremo ser acionado com tanta frequência. E, veja bem, uma vez acionado, ele decide. Isso já foi chamado de "ativismo judicial a convite constitucional", o que é apropriado. Só que o Supremo não dá motivos para acusações de partidarismo. Mesmo lidando com questões políticas, age com independência, ao contrário do que se ouve falar de outras cortes. Eu diria mais: quando decisões da Corte chamam a atenção da opinião pública é porque as matérias tratadas representam divisões dentro da sociedade brasileira. Falo de temas como aborto, células-tronco, fetos anencéfalos, direitos dos homoafetivos.

O reconhecimento desses direitos foi dado pelo Supremo, mas setores
contrários continuam a se manifestar...
E como é que uma decisão sobre um tema que divide a sociedade pode não
gerar polêmica? Vai gerar, não vai agradar a todo mundo. O fundamental é que a Corte trouxe uma decisão que traz segurança jurídica à sociedade. E uma decisão que também vai ajudar no combate a comportamentos violentos, antissociais, homofóbicos.

Ao decidir por unanimidade essa questão, o Supremo deve ter incomodado
setores mais conservadores, mas também agradou aos liberais. Esse julgamento vai ter impacto em outras decisões da Corte sobre temas igualmente polêmicos, como a interrupção da gravidez em casos de anencéfalos?

Uma decisão não muda o Supremo, pois ele decide apegado às suas
convicções e normas. Mas uma decisão causa impacto social, porque a sociedade entende que o Supremo não teme tomar decisões compatíveis com a Constituição, a despeito da oposição de certos setores.

Nem pressões vindas do campo religioso podem abalar o julgador?Não. Ao julgar, o Supremo reforça o caráter laico do ordenamento
jurídico.

E a independência da Corte vai ao ponto de enfrentar as resistências
religiosas em nome da laicidade do Estado. Foi o que aconteceu na decisão sobre liberar as células-tronco embrionárias para a pesquisa científica, não?
Considero esse julgamento importantíssimo, embora confesse que ali
cometemos o mais grave erro de comunicação desde o tempo em que assumi a presidência do STF. O resultado da decisão foi 9 a 1. Só tivemos o voto contrário do ministro Carlos Alberto Direito, falecido em 2009. Mas foi parar na imprensa a versão de que houve três votos independentes da maioria, inclusive o meu. O que fiz no meu voto? Eu disse, e o Ministério da Saúde adotou como orientação, que era preciso estabelecer certos limites éticos para a realização das pesquisas, mas jamais disse que era contra as pesquisas!

Ao decidirem contra a revisão da Lei de Anistia, os membros da Corte
atingiram resultado de 7 a 2. Já no caso da Ficha Limpa, o placar foi
apertado: 5 a 4. E há decisões unânimes. É possível mapear os momentos
em que a Corte vota unida e em que se divide?
Não há isso, diferentemente do caso americano. Há na Suprema Corte dos
EUA duas alas definidas: a mais conservadora e outra mais liberal, o que corresponde ao desenho político da vida partidária americana. E também há sempre um juiz que flutua entre um lado e outro. O STF reflete uma largueza de visões que não se prende ao nosso sistema político partidário. Você pode até dizer que há um juiz mais rigoroso em matéria criminal e mais flexível em matéria civil, ou vice-versa, mas para por aí. Eu não chegaria a dizer que o comportamento da Corte é imprevisível. Mas também não é rotulado.

O senhor sente uma ponta de inveja quando vê que seus colegas americanos julgam em torno de cem casos por ano, apenas?Pois é, a Suprema Corte nos EUA tem poder para examinar um caso e não
abrigá-lo para julgamento, inclusive justificando que decisões de outros tribunais sobre o mesmo tema são boas e suficientes para a matéria. O instrumento da ''repercussão geral'' já permite ao STF fazer isso no Brasil. Equivale a dizer ''muito bem, a matéria é constitucional, mas não tem relevância para a sociedade, portanto não vamos tratar disso''. Mas ainda não usamos devidamente esse instrumento. Nossa tendência é acolher mais do que seria devido. Como se vê, o Supremo também tem um longo aprendizado pela frente.

sábado, 14 de maio de 2011

Niilismo e tradição

"Depois de empenhar minhas energias no estudo da organização social da sociedade do futuro, que substituirá a atual,  convenci-me de que todos os criadores dos sistemas sociais, desde os tempos mais antigos até o nosso ano de 187..., foram sonhadores, fabulistas, tolos, que se contradiziam e não entendiam nada de ciências naturais nem desse estranho animal que se chama homem. Platão, Rousseau, Fourier são colunas de alumínio - tudo isso só serve para pardais, e não para a sociedade humana. Mas como a forma social do futuro é necessária precisamente agora, quando finalmente nos preparamos para agir sem mais vacilações, então proponho meu próprio sistema de organização do  mundo. Ei-lo! -bateu no caderno- . - Gostaria de expor meu livro aos presentes na forma mais sumária possível; mas vejo que ainda é necessário acrescentar uma infinidade de explicações orais, e por isso toda exposição vai requerer pelo menos dez serões, de acordo com o número de capítulos do livro. (Ouviu-se um riso.) Além disso, anuncio de antemão que meu sistema não está concluído. (Novo riso.) Enredei-me nos meus próprios dados, e minha conclusão está em franca contradição com a idéia inicial da qual agora parto. Partindo da liberdade ilimitada, chego ao despotismo ilimitado. Acrescento, não obstante, que não pode haver nenhuma solução da fórmula social a não ser a minha" (Dostoiévsky. Os demônios. Trad. Paulo Bezerra. Ed. 34:São Paulo, 2004, 391).

Essa fala de Chigáliov em um dos romances mais combativos do Mestre Russo impressiona-me por diversos motivos, mas não me deterei em cada qual deles, dado que prometi-me uma mensagem breve aqui. Chama-me demasiada atenção da absoluta facilidade com que o ímpeto criativo e irreverente do personagem desfaz-se de toda uma linha de tradição do pensamento político ocidental. Ele defenestra sem cerimônia o "horizonte cultural" a partir do qual pode ter alguma chance de criar, ressignificar ou mesmo rejeitar os sentidos e os conceitos que lhe antecedem, os quais constituem, assumindo ele ou não, a teia semântica dentro de que inscreve-se o discurso político que busca construir.

Eu não acredito que possamos avançar culturalmente sem o diapasão da tradição ou das tradições. Como enfatiza Gadamer, estamos sempre inseridos em alguma tradição e não é isso que nos impede os avanços, ao revés, é o que os torna possíveis. Não construímos sentido a partir de nada, mas sempre de algum lugar e desde que tenhamos matéria nas mãos. Do nada, nada surge (ex nihilo nihil).

A perspectiva de Chigalióv, portanto, não pode criar nada, mas apenas destruir. Não é apta a afirmar, mas apenas a negar tudo. Ele, ao invés de propor um novo sistema, empenha-se tão somente na iconoclastia que em vários livros do Mestre Russo é denominada de niilismo.

Não se trata, assim, de significação, mas de um esvaziamento de sentidos. Pergunto-me, para além do simbolismo político de Chigalióv, que formas assume hoje o niilismo?

terça-feira, 10 de maio de 2011

Um olhar sobre si ou a literatura além dos Cárpatos



                A chamada época de ouro da literatura russa tem como seus representantes que, com justiça, podem ser considerados divisores de águas Liev Tolstói e Fiodor Dostoiévsky. Como escritores de dimensões titânicas, entretanto, foram capazes de influenciar-se, aprofundar e ressignificar os avanços literários que herdaram e começavam a constituir o universalismo da narrativa produzida nesse país tão contraditório que era a Rússia do sec.XIX.
                Refiro-me a alguns pontos que posso expor, ainda que brevemente a título de início de uma discussão, como o desafio posto pela intelectualidade russa entre criar uma identidade eslavófila, verticalizando a compreensão de sua história enquanto diferença da história européia, um contraponto e uma antípoda. A ruptura proposta pelo governo europeizante do Czar Pedro, o grande, em relação ao legado anterior tártaro-mongol, foi consubstanciada politicamente pela participação intensa da Rússia nas guerras napoleônicas e pela atenção inevitável que o Império russo começou a atrair, mesmo em função da sua magnitude territorial, que se estenderá até o oceano pacífico.
                Esse pêndulo entre uma identidade eslava e européia marcará as artes no sec.XIX, mormente suas maiores expressões na Rússia, como a literatura e a música. Tchaikovsky, por exemplo, será conhecido na história da música como um compositor cosmopolita, fortemente sinfônico, mas com indisfarçável apelo teatral para o qual procurou trazer os padrões estéticos europeus. Assim o faz n’ “A donzela de Orleáns” (1881) e na deslumbrante “Eugene Onegin” (1879), baseada em poema de Pushkin, poeta russo profundamente influenciado pela estética alemã de Schiller e Goethe. A obra de Tchaikovsky opunha-se às diretrizes do chamado “grupo dos cinco” formado pelos músicos mais renomados da época: Balakirev, César Cui, Mussorgsky, Rimsky-Korsakov e Borodin, que repudiavam as criações francesas e alemãs, além da condenação ao teatro lírico italiano que entendiam por grosseiro. Na sua proposta, deveriam dedicar-se a expressar uma “identidade” eslava característica.
                Na literatura, desde a obra pequena, mas extremamente influente de Liermontóv, e me refiro ao extraordinário “O herói de nosso tempo” (1840), que é considerado por Paulo Bezerra “um dos mais belos textos da prosa clássica russa”, a peculiaridade das paisagens e da diversidade étnica desse país gigante que é a Rússia, seu clima inclemente, seu relevo mitológico e a vida de sua gente vão compor o cenário de histórias que se universalizarão na medida em que seus mais talentosos escritores saberão inscrever tais elementos nos cânones narrativos dos dramas humanos. Essa grandeza desvela, na minha opinião, a mesquinharia que me incomoda profundamente nos modelos nacionalistas e regionalistas: o experimentalismo lingüístico que não raro, por pretender a auto-justificação, tende a uma pirotecnia; e uma aura blazé dos grupos intelectuais que pretendem fazer e dizer muito, mas pouco avançam além dos salões em que discutem entre si, dentro de um tempo absolutamente datado. Nosso nacionalismo brasileiro e nosso regionalismo modernista, por exemplo, inegavelmente produziram obras notáveis e pronunciaram talentos autênticos, mas naquilo em que sobreviveram tais movimentos, tal vivificação ocorreu em obras maiores que esses mesmos movimentos. A grande literatura permaneceu não por causa do nacionalismo e do regionalismo no Brasil, mas apesar dele. Não preciso ir muito longe, para os propósitos desse texto despretensioso, senão exemplificando com Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e Graciliano Ramos e, no lado oposto, apesar da “foguetaria” histórica, não me parecem fazer parte de nossas leituras hoje, pelo gosto e pelos dramas humanos, o “Macunaíma” ou a “Paulicéia desvairada”, pelo menos não mais que o “I Juca pirama” ou “O Uraguai”...
                Em Dostoiévsky temos a introjeção da narrativa do sujeito, o olhar de dentro, a confusão e a dúvida corrosiva. A escolha do escritor é a de entender o mundo da única perspectiva que lhe resta, dado que tudo ao redor está sendo desmontado. A quebra do ciclo simplificador em que essa trajetória pode redundar consiste em que os personagens vão nos permitindo compreender que não há nada na desordem do mundo, nada, que não tenha lugar antes na nossa própria desordem, em uma voragem interna e internalizante. Isso torna a inconsciência uma alternativa imponderável, porque não há onde esconder-se. É isso que permite aos personagens proféticos e místicos em Dostoiévsky serem inatingíveis ou loucos, o que talvez signifique o mesmo (Zózima, em “Os irmãos Karamázov” e Sémion Yakólievtch, n’Os demônios).
                A forma do romance adotada pela grande literatura russa dos novecentos, que envolve a trama simultânea de narrativas distintas, não foi uma alternativa circunstancial, mas necessária enquanto eleição estrutural e estruturante diante do desafio da busca de uma identidade pela via universal. Postulo que a grande literatura russa trilhou o caminho de constituir um olhar sobre si e não por uma tautologia. Explico-me: os russos possuem um longo e multifacetado mosaico de tradições e uma história em que são maiores as distâncias que as proximidades com o legado da antiguidade clássica. Isso vincula uma identidade isolada e incomunicável? Um autismo consciente? Isso constitui a identidade ou uma desumanização excludente? É tautológico, afinal, dizer que nossa identidade é sermos idênticos a nós próprios... Como definir o “próprio” senão através do recurso a um certo distanciamento em que a diferença seja perceptível em relação ao outro? O olhar sobre si supõe o distanciamento porque devo supor-me fora, mirando o que está dentro.
                A forma narrativa do romance para Dostoiévsky e Tolstói consiste nesse olhar sobre si, nesse distanciamento. É a forma de contar várias histórias, constituir tramas complexas, que às vezes somente se tocam no texto como que por um acaso, recurso utilizado com abundância n’ “Os Irmãos Karamázov”. Ora, não é assim que tal grande literatura propõe que seja a identidade russa, uma trama complexa de histórias distintas, de distintas etnias que, como que por acaso encontram-se? Que a despeito do acaso, que afinal pode presidir o próprio mundo, essa trama possa ter algum sentido elevado? Que seja essa a mais humana das narrativas porque mais completa e universal?
                Quantos não são os ecos dos heróis da “mitologia humana” na narrativa de Raskolnikóv e  Nekliudóv... Os dramas do ódio, da culpa e do perdão, da cegueira e do vazio das vaidades, da ignorância de si e do esquecimento. Esses são alguns dos universais a partir dos quais essas histórias procuram pautar-se, o que permite que a literatura russa dos novecentos ultrapasse o empobrecimento a que a magnificência de sua variedade poderia, paradoxalmente, conduzi-la: narrativa russa para os russos.
                Graças às inteligências de Dostoiévsky e Tolstói, principalmente, poucos são aqueles que na leitura dos russos não possam ver a dinâmica dos espíritos de todos nós, na mais plena riqueza dramática que a arte possa alcançar.