segunda-feira, 29 de agosto de 2011

UNA MIRADA IGUALITARIA SOBRE EL CONSTITUCIONALISMO.

Com os agradecimentos necessários ao Prof. José Ribas Vieira, que divulgou a presente reflexão de Gargarella sobre essa febre do neoconstitucionalismo.
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Piazzolla, Dworkin, y el Neoconstitucionalismo

Publicadas por Roberto Gargarella

Hoy abría el Congreso Nacional de Secretarios Letrados y Relatores, en
donde me pidieron que hablara del neoconstitucionalismo, contando este
cuentito.

Resulta que un día vienen unos muchachos, músicos ellos, y se presentan
como "el nuevo tango." "Muy bien," decimos. Empiezan a tocar, tocan bien,
y luego de hacer algunos temitas se sientan a charlar. Y cuentan:
"Queremos cambiar al tango, renovarlo porque lo vemos envejecido, quedado,
anquilosado. Por eso introducimos cambios en el ritmo, en las armonías. Y
nos animamos a fusionarlo con otras músicas, con el jazz, que tanto nos
gusta." "Muy bien," decimos, otra vez. "Lo que están tratando de hacer
está todo muy bien. Pero...nuevo tango? Piazzolla -por mencionar a
alguien- nació hace 90 años, y durante décadas, él, y todos los que
siguieron después de él, vienen haciendo eso que ustedes ahora presentan
como novedad."

Bueno, con el neoconstitucionalismo pasa algo muy similar. Lo que hacen
los "neoconstitucionalistas" es lindo, está bien, está bien orientado,
animado por buenos principios. Pero...neo constitucionalismo? Ronald
Dworkin, -por mencionar a alguien- nació hace 80 años, y durante décadas,
él, y todos los que siguieron después de él, vienen haciendo eso que el
neoconstitucionalismo presenta como novedad.

La moraleja del cuentito, en todo caso, es doble: Lo del
neoconstitucionalismo no es novedoso, en absoluto, y hay que tomar en
cuenta ese dato, y lo que ello implica acerca de lo que los
"neoconstitucionalistas" han hecho y -sobre todo- dejado de hacer durante
décadas. Ahora bien, eso no sólo dice algo sobre los
neoconstitucionalistas, y sus reclamos de novedad. Habla, también, de los
que se quedaron en el tiempo, y siguen bloqueados en el pasado como si
Piazzolla o Dworkin no hubieran nacido, por supuesto, con todo lo que ese
desconocimiento implica

domingo, 21 de agosto de 2011

"Abril despedacado": notas de aula sobre o filme de Walter Salles

O formalismo do costume (cenas do velório do neto do patriarca Ferreira) e a linguagem dos patriarcas;
A ausência completa de outro poder senão a família (tensão entre a extensão do mundo e a solidão dos homens): o mundo é seco –sem mar- e nele sobraram apenas as almas –desesperança;
Os mortos da família Breves são observados a partir da vela –fogo ritualístico, evocação;
A noção de tempo - a única-, pois mede a trégua, é dada pelas fases da lua;
Apenas após “cumprida a obrigação” é que a mãe pode lavar o sangue do filho morto, mas o menino” observa que mancha de sangue não sai...ainda que a mãe pense que sim;
O menino está fora da linha taliônica desde o início, não apenas por ser o mais novo, mas por todos os demais sinais que o denotam, seja o fato de não possuir nome (o que indica que não deve ter sobrenome), mas pelo fato de ser o único a enfrentar o pai e o meio (o menino é o primeiro a mandar Tonho ir embora). A mãe o o pai demonstram raiva quanto ao livro do “menino” e esse, por sua vez, as vezes se lembra e outras se esquece da história;
A cidade mostra uma perspectiva de ruptura e escape, o circo é a representação disso;
A moenda mói tudo, inclusive os homens. Quem primeiro cede são os bois, mas o “menino” diz: nós é que nem os bois, toda, roda e não sai do lugar...".
O sangue de um tem a mesma valia de outro e essa é uma regra tradicional como diz o patriarca dos Ferreira (“meu pai me ensinou, e o pai dele a ele, e assim sucessivamente). Quem desobedece será punido nesta vida ou em outra;
Quem verifica o sangue amarelar e o atesta é sempre uma mulher (pitonisa);
O menino assume conscientemente o lugar do irmão sabendo que essa é a única forma de libertá-lo plenamente, ele que acabara de ser libertado pelo amor da mulher o será agora pelo do irmão.

A "DOMESTICACAO" DA VIOLENCIA: uma faca de dois gumes

Vivemos nos hábitos e, por fazermos da vida um hábito, nos tornamos fantoches da compulsão à repetição. A vida presa ao hábito é, por certo, eficiente. Mas de uma eficácia das moendas, por onde só entra cana e sai bagaço. Criada para lidar com o mesmo, a roda do hábito, diante do diverso, emperra, se despedaça e fere de morte os que a põem em marcha. "A inclinação da humanidade para dar valor a seus pecados não se deve à paixão, mas ao hábito", disse santo Agostinho. Hannah Arendt deu a essa máxima religiosa a mais forte expressão leiga: o Mal é banal. Banalidade, porém, não é apenas mesquinhez em pele de obediência. O Mal é banal, principalmente, por fazer da ação humana uma sequência calculável de eventos da qual a espontaneidade é expulsa. No filme, a morte em cascata não vem de impulsos assassinos imprevisíveis e descontrolados; vem do pacto com os mortos, da incansável obrigação imposta aos vivos de pagarem uma dívida cuja origem ignoram, mas que devem considerar como deles porque "assim manda o hábito“ (Jurandir Freire).

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

CURSO SOBRE DIREITO & LITERATURA

Programa
Aproximações teóricas entre o direito e a literatura. O direito na literatura, o direito como literatura e o direito da literatura. A norma enquanto texto. Mímesis e representação da realidade. O Direito mimético e
o direito poético. Hermenêutica e crítica. A palavra e a escritura. Instituição e desinstituição do direito e da justiça.
27 e 28 de agosto
17 e 18 de setembro
Das 8h30 às 12h30, no CCFC

sábado, 13 de agosto de 2011

TEMPO E HISTÓRIA: SOBRE A OBSERVAÇÃO DO HISTORIADOR



                Os conceitos possuem a propriedade de fazer-nos crer que existem por referirem-se descritivamente ao “mundo lá fora”. Não é diferente com o conceito de “tempo”. Ao nos referirmos “ao tempo”, logo de saída subjetivamos o conceito, ou seja, estabelecemos que ele é um sujeito, um ente, ao que existe e é exterior a nós mesmos. A nossa linguagem está repleta de percepções “subjetivadoras” do tempo, como, por exemplo, “o tempo é o melhor conselheiro”, “o tempo cura todos os males”, “o tempo se vinga daquilo que se realiza sem sua colaboração”, etc.
                Para nossa cultura, portanto, o conceito de tempo refere-se a uma realidade externa ao homem e que interage em certa medida com ele. O conceito refere-se a um tempo “lá fora”, no mundo. Esse é o primeiro equívoco que distorce nossa capacidade de entender os elementos importantes da relação entre história e tempo. 
                Assumo, secundando ELIAS, que o tempo não se refere a uma realidade extrínseca ao homem, mas é, ao contrário, fruto das relações sociais. Na própria física uma das diferenças mais significativas entre as posições de Newton e Einstein diz respeito ao fato de que este considera o tempo uma relação e não um fluxo contínuo, como defendia o físico inglês.
                Na subjetivação do tempo temos presente um hábito cultural consistente na separação entre natureza e sociedade e isso nos obstaculiza a percepção daquilo que está implicado nos conceitos que utilizamos, no caso específico, o tempo.
                Explica ELIAS, ao procurar responder quem é o sujeito e o objeto dessa relação a que se refere o tempo, bem como suas finalidades, esclarecendo que a palavra “tempo” designa:
“...simbolicamente a relação que um grupo humano, ou qualquer grupo de seres vivos dotado de uma certa capacidade biológica de memória e síntese, estabelece entre dois ou mais processos, um dos quais é padronizado para servir aos outros como quadro de referência e padrão de medida” (ELIAS, Norbert. Sobre o tempo. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Editor, 1998:39).
                A finalidade de tal relação para a qual o conceito de tempo funciona como um mediador é estabelecer um quadro de referência e uma medida para que as operações visadas por dadas relações em sociedade sejam possíveis. Trata-se de estabelecer um “antes” e um “depois” que seja capaz de dividir e organizar um determinado fluxo contínuo de acontecimentos.
                Niklas Luhmann ressalta que a memória tem uma relevância central na possibilidade de tais operações sociais, pois todas elas dão-se sempre no presente. Nenhum de nós realiza qualquer ação social no passado ou no futuro, pois elas são possíveis unicamente agora. Entretanto, pensamos, agimos e tomamos decisões com base no passado e no futuro enquanto referências sociais,  e isso apenas é viável pelo estabelecimento das distinções a que o conceito de tempo se refere (o “antes” e o “depois”, dentre outras) e a seleção de sentidos que cada sistema social é capaz de fazer. É o caso da agricultura quando no domínio crescente das técnicas agrícolas, as comunidades passam de um estágio de observação e experimentação errática a outro em que ficam estabelecidos costumes e um conhecimento tradicional que padroniza as decisões do que plantar, quando e como. É o que ocorre com o sistema jurídico quando prevê que certos comportamentos serão punidos ou disciplinados desta ou daquela maneira segundo o costume. O próprio verbo “prever” apenas pode ser utilizado por essa operação específica que a memória, enquanto organização das relações a que o tempo se refere, permite, dado que não temos capacidade preditiva comumente distribuída e a sociedade humana, ipso facto, não baseia sua organização nessa qualidade.
                Entretanto, é difícil para nós empreendermos essa percepção em razão da tendência humana de deixar progressivamente de notar aquilo que se rotiniza, o que se repete cotidianamente. É uma espécie de “invisibilização” de conceitos, diante da qual constitui uma das tarefas mais significativas das ciências humanas combatê-la. É a esse esforço que denominamos crítica. ELIAS, novamente, explica tal fenômeno da seguinte forma:
“Quando os símbolos atingem um grau sumamente alto de adequação à realidade, torna-se difícil, num primeiro momento, distingui-los dessa mesma realidade. É o que acontece hoje em dia com símbolos cronológicos como os calendários, que, embora sejam suscetíveis de aperfeiçoamento, atingiram um grau sem precedentes de adequação à realidade. Essa equivalência, aos olhos de muitos, confunde a distinção entre, por um lado, as sequências de acontecimentos que balizam a própria vida e, por outro, a relação construída pela civilização humana entre essas sequências e aquelas em que repousam os calendários. Assim, muitos não conseguem impedir-se de ter a impressão de que é o próprio tempo que passa, quando, na realidade, o sentimento de passagem refere-se ao curso de sua própria vida e também, possivelmente, às transformações da natureza e da sociedade” (ob.cit.:22).
                Ademais, para além da advertência de ELIAS, há que se considerar, a partir da observação de OST (cf. OST, François. O tempo do direito. Bauru:EDUSC.2004), que vivemos dominados por uma única, totalizante e tirânica concepção de tempo, que é a do tempo crônico ou cronológico. É o tempo mensurável dos relógios, linear, irreversível e titânico, que, se muito bem acomodou-se às exigências de organização do trabalho na sociedade moderna, dividindo as jornadas e dimensionando a remuneração por horas; se esse tempo mensurável e crônico pôde constituir-se, pela mensurabilidade, uma visão de mundo que assinala para nós que se todos os fenômenos humanos dão-se no tempo, se o tempo é mensurável, tudo o que é humano é também passível de medida;  se buscamos aplicá-lo na sua voracidade aos afetos, a nossa psique, a formação de nossos desejos e expectativas, à educação e à justiça e às virtudes, cabe, entretanto, atribuir a culpa a nós e não ao conceito. Fomos nós que transformamos o método aplicado ao estudo das regularidades –e o tempo crônico tão bem se presta a isso- em uma espécie de racionalidade inata ao homem. E se os antigos já conheciam a idéia do tempo crônico, foi apenas com a modernidade que ele elevou-se a um conceito unívoco, aplicável a tudo, sem distinções. E na modernidade, um capítulo a parte enquanto fator predominante, cabe à revolução cultural que representou o método científico com a idéia central de mensurabilidade e padrão.
Sobre isso, escrevia ELIAS, reportando-se ao método científico de Galileu:
“Tendo sido, inicialmente, um simples meio destinado a um fim –a descoberta de regularidades imutáveis, baseadas em medidas sistemáticas e exprimíveis por símbolos matemáticos de conotação eternizadora, como as ‘leis’ da natureza ou da lógica, ou pelos resultados de operações puramente matemáticas-, acabou encarnando, durante algum tempo, a mais alta legitimidade da tradição física e filosófica e, em conseqüência disso, representando a finalidade mais elevada e mais prestigiosa da atividade científica” (ob.cit.:102).
                Para a história, a concepção de um tempo único e linear, o qual exclua tempos simultâneos, tem efeitos funestos. Dentre eles, mormente, a percepção de que os elos causais entre os acontecimentos é  necessário, ao invés de contingente. Ou seja, tudo aconteceu PARA que chegássemos onde chegamos...São extirpadas dessa concepção de história as inúmeras possibilidades de acontecimentos e as expectativas que estavam diante do contexto histórico, que compunham seu horizonte e formavam as dúvidas, os desejos, os sonhos e os medos dos atores históricos daquela dada época. É como se o que não aconteceu não importasse, mas a realidade é que PODE importar e, em alguns casos, decerto importa. Um exemplo, é a história da vida privada ou as biografias. Ninguém sabe exatamente o que acontecerá a partir de uma decisão, mas, no máximo, o que pode derivar dela. Excluir as possibilidades que não se realizaram do horizonte do personagem empobrece e falseia o horizonte histórico.
                A validade de uma afirmação sobre dado fato histórico depende da concepção de que a observação do historiador é uma dentre diversas observações possíveis e, portanto, sua narrativa é oriunda de uma seleção inevitável.  E isso não é uma crítica que resulte na conclusão da inviabilidade da narrativa histórica ou da verdade na história, mas ao contrário, a afirmação de que ela é epistemologicamente possível a partir da assunção de tais premissas.
                O fato histórico é “poliédrico” e deve-se considerar essa complexidade consistente na composição simultânea de diversos elementos na observação do historiador. Nesse sentido, assim como na interpretação do quadro “Las meninas”, de Velásquez, feita por Michel Foucault no primeiro capítulo d’As palavras e as coisas, não se trata de descrever o que se vê, mas representar conscientemente o próprio ato da observação, tomando-se em conta uma pluralidade de olhares sobre os fatos do mundo, a cultura e o homem.
                Para esse intento metodológico, a concepção linear do tempo como “a flecha de Deus”, é estreita e reducionista e seria necessário admitir o próprio tempo enquanto conceito –e não como realidade física e externa -, na sua condição plural e complexa e, assim, explorar as observações diversas que daí derivam.   

terça-feira, 9 de agosto de 2011

DE ONDE VEM O MAL?

                A pergunta instigante é a capa da Revista Galileu, nº240, cuja leitura vale a pena pelo cuidado com que o tema foi tratado.
                Ocorre-me, entretanto, aproveitar a oportunidade para ampliar alguns aspectos desse debate, acerca da visão de mundo da ciência.
                A proposta que motiva a pergunta acima diz respeito aos resultados de pesquisas que tem indicado que determinadas deformidades em áreas do cérebro (o córtex pré-frontal medial, por exemplo)  responsáveis pela empatia, ou seja, a capacidade de projetar um evento de outrem como se fora seu, estão associadas à maldade, entendida aqui como os crimes violentos. A identificação física da área afetada, bem como a compreensão das operações neurofisiológicas presentes na reação empática, tem levado às sugestões de terapias medicamentosas capazes de corrigir o problema, liderando as novas drogas a oxitocina.
                A identificação de problemas cerebrais associadas à violência novamente propõe alguns temas já recorrentes no final do século XIX e século XX: que a intervenção médica pode ser o caminho mais adequado para o tratamento da criminalidade, ou pelo menos, de determinada intercorrência de criminalidade; que o criminoso pode não ser responsável pelo crime, dado que não se trata propriamente de vontade, mas de uma incapacidade ou doença e; é possível desenvolver uma política de prevenção da criminalidade a partir de critérios médicos.
                Isso que parece ser uma projeção de ficção científica já acontece, entretanto. Um exemplo é o desenvolvido pelo Programa Para Pessoas com Severos Transtornos de Personalidade, o DSPD, do governo britânico no qual, dentre outras coisas, 12 unidades monitoram crianças com distúrbios de conduta com a finalidade de prevenir psicopatias. Investiga-se também nestas crianças o a presença de genes específicos ligados à “maldade”.  O psicólogo Simon Baron-Cohen, de Cambridge, é um dos líderes desse nova versão da tendência “patologizante” do mal e sugere –ele que é judeu- que o mal funcionamento cerebral que dificulte a empatia pode estar por trás dos eventos que transformaram pessoas comuns em torturadores na segunda guerra mundial.
                Bem, feito o resumo da tese, gostaria de levantar uma ou outra consideração.
                É notável a tendência atual de transformar a psicologia e sua metodologia em um a extensão da biologia. De subverter sua metodologia pela dosimetria farmacológica e questionar epistemologicamente o binômio consciente e inconsciente. Essa é, propriamente, a maior novidade nessa abordagem atual da “patologização” do crime e da “maldade”, porque a associação do crime a características fisiológicas ou morfológicas não é absolutamente nova, mas remonta, pelos menos, aos trabalhos de Beccaria, com enorme repercussão no mundo, e Raimundo Nina Rodrigues no Brasil. É de nefasta lembrança a lobotomia como forma preconizada de tratamento para criminosos violentos e, mais simpática e picaresca, a moda da frenologia no final do sec.XIX e primeiro quartel do sec. XX.
                Não desejo negar os avanços que possam significar as descobertas diuturnas da neurofisiologia, mas preciso deixar claras as minhas infinitas reservas às repercussões que se tem procurado dar a elas, sempre em um sentido inaceitável de reducionismo e alienação do homem.
                Em primeiro lugar, a associação da “maldade” à violência e a agressividade é um reducionismo inadmissível, em grau exponencial quando a relação é estendida à criminalidade. Isso porque: a) A maldade é a ausência do bem e está presente tanto na mutilação que alguém inflinge a outrem, quanto na omissão em denunciar uma fraude; b) A assunção da violência como uma manifestação patológica influenciada por uma deformidade neurofisiológica ou neuromorfológica não explica as manifestações coletivas de violência, nem o holocausto, nem as rebeliões que acontecem desde sábado passado (06.08.2011) em escalada em Londres; c) Há, inevitavelmente, uma desumanização na consideração da “maldade” nessa “patologização”, bem como o fortalecimento da lógica contemporânea que exclui a responsabilidade pela explicação exterior. Trata-se do “encapsulamento” do bem, o qual pode ser fabricado, exposto e comercializado nas farmácias, na mesmíssima linha da felicidade sintética da fluoxetina, ou do prazer com o Viagra ou o Cialis... Isso me parece mais grave ainda se entendermos que a “desumanização” implica não apenas na alienação de si mesmo, mas na “desumanização” do outro, em um tipo de discurso, agora, qualificado de indiferença. Paradoxalmente, se considerarmos que a questão inicial trata sobre empatia!
                Em segundo lugar, e isso vem bem demonstrado pela revista, se um número significativo de pessoas com transtorno borderline, que acentua a agressividade, possui deficiências associadas a determinadas áreas do cérebro, também é verdadeiro que de 60% a 80% delas têm histórico de maus tratos, dentre os quais de 40% a 70% do mesmo grupo foram vítimas de abuso sexual na infância.
                A tese “patológica” desassocia perigosamente a violência da própria violência, da cultura do mal e da agressão, do controle sobre si, da auto-consciência e do auto-exame. Robert Darton em um belo livro chamado “O beijo de Lammourette” diz-nos que uma das características da época moderna é, a despeito da nossa convivência com o crime, a cena pública ter-se limpado da violência extrema. Não andamos mais nas praças sobre o sangue dos executados ou não vemos pelas ruas suas cabeças expostas como exemplo. Entretanto, digo eu, cercamo-nos por todos os lados na nossa cultura dessas imagens na busca de satisfazer tais sensações provocadas pelo embate violento, pelas execuções e guerras. É essa a mídia bilionária dos filmes, dos jogos e dos jornais populares. Desejamos coletivamente trazer tudo isso de volta e com tais cenas reinventamos nossos heróis, sempre armados, indiferentes e distantes, implacáveis e inabaláveis. Qual a distância entre os heróis dos “Bastardos Inglórios” e os psicopatas, de levada em conta a indiferença à dor e à mutilação do outro? No atual cinema temos que acentuar a diferença entre o horror e o terror. Aquele estava mais para as histórias de Allan Poe adaptadas ou para as célebres adaptações do inesquecível conto “O caso da mão do macaco”, ou ainda o notável seriado “twingligth zone”. O terror é quando não há motivo, quando a desrazão e a crueza imperam. Não se trata do susto, mas da desesperança. Não o suspense, mas a imagem e o inegável. É a glória dos zumbis, por exemplo...
                Não quero defender a tese pueril de que o cinema, os tablóides populares e os jogos transformam, por si, nossos filhos em criminosos sem coração. Contudo, afastando-me completamente da tese “patologizante” e assumindo uma idéia de Sto. Agostinho, quando se perguntava sobre aquilo que nos liga ao pecado ou mal original, diria que se trata dos hábitos. A infindável cadeia dos hábitos na qual reproduzimos nosso agir cotidiano, a maior parte de nossas decisões e reações e pelas quais costumamos orientar nossas expectativas e sentimentos, aí temos o mal.
                É pelo hábito que uma comunidade vê o diferente como “estranho e hostil”. O estrangeiro é aquele e aquilo diferente do que vemos todos os dias, daquilo a que nos acostumamos. A xenofobia e a violência em diferentes matizes que ele gera não se pode explicar pela deficiência morfológica do córtex pré-frontal médio...Nem a discriminação de negros no mercado de trabalho ou a mutilação do clitóris em certos países africanos. Trata-se da cadeia dos hábitos que nos torna indiferentes ao bem, que nos permite deixar de considerar o outro simplesmente porque não o vemos enquanto tal. Os mendigos de rua não seriam vistos como humanos, nem os antigos escravos, nem os homossexuais ou os estrangeiros...
                Quando nos cercamos, portanto, das imagens da violência, seja do sangue, seja da indiferença ao outro, ao pobre, ao excluído, ao estrangeiro, etc., não consideramos a própria exclusão uma violência, mas algo do dia-a-dia, ou mesmo um dever de auto-defesa ou de segurança do país ou da comunidade. A história humana está repleta de exemplos que demonstram o quanto tais discursos prosperam rapidamente. Um vídeo ou um jogo, isoladamente, não é capaz de transformar ou incitar alguém. Mas uma cultura de indiferença e de exacerbamento do individualismo, sim. Dos pequenos aos grandes gestos e atitudes. Das pequenas concessões de irresponsabilidade em relação ao outro nos relacionamentos afetivos, das pequenas concessões éticas, da inércia e das omissões nascem hábitos poderosos de indiferença.
                Por todos os lados, a violência e a indiferença parecem ser respostas mais adequadas ou,  pelo menos, comuns aos desafios da sobrevivência, das carreiras e do mercado. Isso nas comunidades pobres de Totenham, em Londres, ou em Wall Street. Nossos afetos tem-se configurado pelas mesmas atitudes acima descritas, transcritas das ruas para as casas. O desejo afigura-se como a exaltação e afirmação plena de si em detrimento do outro ou com sua instrumentalização e reificação, portanto. E são essas as imagens que desenham nosso horizonte dominante, formam nossas expectativas e desejos?
                Não responderei a pergunta, a qual, por si só, já me demonstra quão reducionista pode ser um perspectiva “patologizante” e a reversão biológica das dimensões da mente e da alma em um discurso dosimétrico. O mal é muito mais complexo do que operações neurofisiológicas podem individualizar, porque a vida não pode ser medida por meio de tais operações.
                Talvez, o verdadeiro mal com o qual estejamos lidando nesse artigo seja a própria redução do homem a uma fórmula...